quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Em nome da ciência

I - Cães, gatos, chimpanzés, ratos, coelhos, ovelhas, cavalos e outros animais que têm, em comum com os humanos, a capacidade de sentir e sofrer, são criados especialmente, ou arrancados de seu meio natural ou das ruas, para ser enviados ao laboratório. Dor física, solidão, falta de afeto, confinamento em jaulas e a impossibilidade de cumprir os fins biológicos para os quais o animal existe. O alto grau de estresse afeta todo o organismo, alterando pulso, pressão sangüínea, atividade imunológica, equilíbrio hormonal e inúmeras outras funções. Milhares de provas se repetem muitas e muitas vezes. Conclusões óbvias e de senso comum são expressas na impessoal e asséptica linguagem científica. Continuam sendo triviais e inúteis. Mutilar, ferir, fraturar, queimar, congelar, envenenar, irradiar. Induzir doenças, eletrocutar, operar sem necessidade. Tortura tanto física quanto psíquica porque a dor é, biologicamente, uma categoria tanto da sensação quanto do afeto. A ansiedade, o medo, a agressividade, a depressão, a angústia que o animal sente são tão equiparáveis aos dos humanos que ele também é usado no campo da psicologia e da psiquiatria, onde se realizam alguns dos experimentos mais cruéis. Por exemplo, para induzir um estado de prostração ou desesperança, amarra-se um cachorro de modo que ele não consiga de forma alguma evitar os severos e repetidos choques elétricos que lhe são administrados.
II - Uma das principais inquietações dos vivisseccionistas é transmitir ao público a idéia de que os animais estão sendo bem cuidados: controle de temperatura, alimento, água, etc. Algumas sociedades protetoras, que trabalham nos mesmos âmbitos que os vivisseccionistas, repetem as mesmas frases, talvez acrescentando que, se elas não estivessem por ali, a situação dos animais seria pior. Na realidade a situação seria a mesma, pois os vivisseccionistas também estão interessados em “cuidar” de seu objeto de estudo, não por carinho pelo animal, mas porque esta é a única maneira de o infeliz resistir ao experimento; é também a única maneira de se obterem dos cães, cavalos, ratos, ou de qualquer outro animal enjaulado e isolado em questão, os dados mais precisos. Mas os animais têm outros interesses além de comer e beber antes de ser queimados, envenenados, drogados ou de sofrer qualquer outra das atrocidades habituais dos laboratórios. Os animais têm, fundamentalmente, o interesse de estar livres de tortura. Os animais não querem estar isolados e enjaulados. Os animais fogem da morte. A experiência da dor, as emoções que muitos vivisseccionistas alegam não saber se um animal tem, inundam toda a consciência do animal, muito mais ainda do que no caso do humano, porque o animal não pode aliviá-la com um razoamento abstrato que lhe permita a esperança de uma libertação. Quem conhece o que ocorre de fato nos laboratórios fica indignado quando escuta falar no “cuidado de um animal de laboratório”, a começar pelo detalhe semântico presente em animais “de” ao invés de animais “em” laboratórios, que induz a associar esses não-humanos a não-humanos especiais, diferentes daqueles que poderiam viver ao nosso lado. Os experimentos são mais do que cruéis. O público não consegue suportar sequer as imagens dos vídeos mostrando os mais suaves. Os experimentadores explicam que os animais foram “tratados humanitariamente”. Esta frase soa ridícula. Ser humanitário significa ter simpatia, ternura ou compaixão pelo outro. Neste caso, o outro é um indivíduo a quem se priva de liberdade, a quem se causa graves danos, a quem se tortura e mata.
Neste ponto, os vivisseccionistas, impossibilitados de negar o sofrimento que provocam, necessitam justificar moralmente o que fizeram. Para tanto, abandonam o campo ético – onde uma justificativa seria um fardo insuportável para eles – e passam a se apoiar em argumentos científicos, principalmente dois:
  1. que a experimentação com animais foi a base do avanço da medicina;
  2. que, embora eles não queiram causar dano aos animais, não têm alternativas, sobretudo em matéria de teste de medicamentos.
A isto respondem então os cientistas, médicos e advogados envolvidos no movimento pela Antivivissecção Científica, apresentando o balanço dos últimos cem anos no campo da medicina como apoio à postura antivivisseccionista, criticando os maiores exemplos de “avanços” expostos pelos vivisseccionistas e apresentando as alternativas.  Mas os vivisseccionistas, que teriam de se sentir aliviados por poderem se libertar da “necessidade” de torturar em benefício da humanidade, continuam aferrados ao seu errôneo, caro, cruel e primitivo modelo experimental. A que se aferram, então, os vivisseccionistas?
A imagem apresentada ao público pelos vivisseccionistas é parecida com as das belas fotos que as empresas que criam animais para experimentação estampam em seus folhetos de publicidade. Seria impossível expor a realidade oculta pelas grossas paredes do laboratório, sem receber como resposta uma onda de indignação e repulsa por parte do público.
O direito de não ser torturado está baseado na capacidade para sofrer e deveria ser o direito mais elementar de todo ser senciente. A escolha não é entre animais e humanos, mas entre vivissecção e ciência. Porque a vivissecção não é ciência. É um estado da mente e do coração. Um estado de violência, egoísmo e negação.

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